Da visita ao interior nordestino




Eu tenho passado por terras arrasadas. Comidas pelo fogo que se nutre da ganância e de sua prima-irmã, a vaidade. Eu tenho passado por terras queimadas. E o sol inocente é punido e julgado culpado pela ausência de asas batendo ou patas rastejando. Nada sobrou, nem uma sombra. Não consigo celebrar o progresso, nem os supostos impostos que deveriam serem pagos às prefeituras. Não consigo celebrar o extermínio. A cana também é inocente. Por quilômetros e quilômetros foi confinada na terra arada e cresce vigorosa enfrentando o silêncio e o sol sufocantes. A vaidade, o orgulho, o egoísmo. Por Alagoas perdi as contas de quantas usinas eu vi, cuspindo fogo, cuspindo álcool. Negócio falido sustentado por inúmeras recuperações judiciais custeadas pelo Estado. Os donos, vocês sabem, são os mesmos parasitas de 400 anos atrás. Vampiros que para se manterem vivos tiram a vida de tudo que tocam. A ganância e a validade alimentadas pelo pavor de perder a própria vida parasitária. Porque sem nós, eles não conseguem fazer nada, absolutamente nada. Sem nós, eles não conseguiriam nem ao menos sair da cova em que estão, cavada por séculos e séculos de orgulho em manter aquilo que chamam de "nível de vida", trocando a capacidade de cuidar de si pelo consumo de relações frágeis mediadas por dinheiro. Em cima da terra arrasada dançam monstros de cristal.


16/01/2020


Imagem: fotografia minha em algum lugar entre Alagoas e Pernambuco.

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